É SENDO QUE SE É
- Mariana Simões Teixeira
- 13 de mai.
- 3 min de leitura

Clara poderia ser qualquer uma de nós. Na tela do Google Meet, aparecia sempre envolta em “pressa e culpa” como se vestisse esses sentimentos todas as manhãs. Aos 34 anos, tentava equilibrar um trabalho exigente, dois filhos pequenos e uma lista interminável de cursos de “autoconhecimento” salvos no celular. Falava com brilho nos olhos sobre tudo o que queria ser: uma mãe mais paciente, uma líder mais inspiradora, uma mulher mais centrada. Das leituras, destacava frases em post-its cor-de-rosa espalhados pela casa: “Respire fundo antes de reagir”, “Seja a mudança que você quer ver”.
Mas, quando o despertador tocava às 6h, Clara apertava sempre o botão de adiar. Quando o filho derrubava o leite, sua voz subia dois tons. No trânsito, seus mantras se perdiam entre buzinas. Ao fim do dia, sobrava um peso incômodo: a distância entre quem ela dizia que era ou queria ser e quem, de fato, se mostrava nas pequenas horas.
Depois de algumas semanas, propus um exercício simples: escolher um único momento do cotidiano para agir diferente. Ela elegeu o café da manhã. Em vez de apertar a soneca e correr depois para arrumar lancheiras enquanto reclamava do atraso, decidiu prepará-las na noite anterior e sentar-se por cinco minutos à mesa, olhar nos olhos das crianças e perguntar sobre o sonho da noite anterior. Nos primeiros dias, os medos voltavam: “Vou perder tempo”, “Não vai adiantar”. Mesmo assim, ela se sentava. Cinco minutos. Todos os dias.
Num retorno, Clara contou que as manhãs continuavam caóticas; o leite ainda virava. Mas algo mudara: ela conseguia sorrir antes de limpar a bagunça. Descobriu que seus filhos gostavam de inventar nomes para as nuvens e que aquele pequeno gesto de não mais apertar a soneca e sentar-se fazia o resto da rotina parecer menos pesado. Não era a perfeição prometida pelos post-its. Era ação concreta, imperfeita, real. E bastou para que Clara percebesse: não precisava acumular intenções grandiosas; bastava habitar, com presença, o gesto de agora. Assim fomos, aos poucos, construindo o que ela realmente desejava ser. Passo por passo. Pequenos passos possíveis.

Vivemos tempos em que falar parece mais fácil do que fazer, em que declarar intenções ocupa mais espaço do que sustentar ações. É fácil desejar ser mais calmo, mais presente, mais justo. Difícil mesmo é, diante do dia comum, colocar isso em prática. Difícil é ser, de fato.
Mas é importante lembrar:
Pois é sendo que se é.
Não somos o que dizemos.
Não somos o que queremos ser.
Não somos nossos sonhos.
Somos o que somos. E é no ser, no agir, no levantar, no fazer que nos tornamos.
As virtudes que tanto buscamos não se constroem na teoria, mas na prática do cotidiano. São forjadas nas pequenas escolhas: na forma como ouvimos, como reagimos, como esperamos. O chão da vida é onde essas virtudes realmente crescem. Não é em discursos bonitos, nem em listas de metas. É na paciência silenciosa, na escuta atenta, no gesto simples.
Refletir sobre quem queremos ser é fundamental. Mas mais fundamental ainda é lembrar que só nos tornamos alguém diferente ao viver de maneira diferente. O mundo interno precisa se traduzir em gesto externo; caso contrário, continua sendo apenas desejo.
Por isso, deixo aqui um convite: que a sua semana seja um campo fértil de pequenas ações coerentes. Que você não apenas pense ou sonhe, mas viva aquilo em que acredita.
Afinal, é sendo que se é.
Com carinho, de uma mãe e psicóloga que também trilha esse caminho. Um passo por vez.



Comentários